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Uso de Álcool em tempos de Pandemia

Artigos de Saúde Mental
Mary Fernanda Testa (Terapeuta Ocupacional) e Eliane Moreira Fay (Psicóloga)
Membros da Equipe de Dependência Química HEPA

O cenário atual, nos trouxe uma situação de isolamento social, com sérias restrições, de grande impacto emocional e na dinâmica de vida. A privação da convivência com outras pessoas e do lazer, medo do contágio, alterações drásticas na rotina em um curto espaço de tempo, bem como incertezas frentes ao futuro próximo,   acompanhadas por ameaças da perda de emprego e dificuldades financeiras, constituem-se importantes fatores de desequilíbrio. 

Estas mudanças, no estilo de vida, promoveu uma situação de estresse prolongado. Com isso tem sido observado aumento significativo do consumo de bebida alcoólica. Neste período de exceção, a bebida vai além de uma finalidade recreativa. Vem sendo utilizada com uma frequência maior. Quem antes bebia apenas nos finais de semana, passou a usar durante a semana também, chegando a configurar um hábito. Isto, muitas vezes não só como forma de preencher o tempo ocioso, que antes era ocupado por outras áreas de vida, como também como busca do alívio de sentimentos negativos, muitas vezes intensos, como ansiedade, solidão, tristeza e depressão, raiva, sentimento de impotência diante de decisões que não passam por escolhas pessoais, e sim impostas pela crise que vivenciamos.

Torna-se necessário, não só lidar de forma mais saudável com esse novo estilo de vida, como também substituir o uso do álcool ou de qualquer outra substância que esteja sendo usada como recurso, por alternativas que gerem a mesma sensação de alívio e prazer com a vida, e que não tragam consequências irreparáveis no futuro.

O consumo excessivo de álcool, trás não só riscos a saúde física, como mental, e não protege contra a COVID-19, pelo contrário, diminui a imunidade, sendo mais um fator de risco, caso exposto e/ou infectado com o vírus.

Inicialmente é difícil perceber nas pessoas que nos cercam e/ou se perceber tendo um comportamento de risco, com uso e abuso do álcool. O que parece ser apenas um momento de descontração, com pequenas quantidades em apenas alguns dias da semana, gradativamente vai se tornando um hábito quase que diário, com aumento das doses, até o uso diário propriamente dito, em grandes quantidades. Esse excesso de consumo, gera diminuição do apetite, aumento da necessidade de sono após o uso, redução ou abandono do envolvimento nas atividades diárias dos cuidados com a casa/família, diminuição da produtividade de trabalho, assim como gastos financeiros, até cobranças por estas condutas, e brigas.

É possível identificar, a partir de alguns critérios, utilizados e validados no mundo todo, se você ou alguém da família esta apresentando este comportamento:

1) forte desejo de beber;

2) não conseguir parar de beber, após ter começado;

3) continua a usar, mesmo sabendo dos danos causados;

4) dar maior prioridade ao hábito de usar, do que as demais responsabilidades;

5) necessidade de aumentar as doses, para obter os mesmos efeitos (tolerância);

6) quando para de usar, apresenta sintomas físicos como sudorese, tremores, ansiedade, forte desejo de voltar a beber (abstinência);

7) quando abstinente, sente necessidade de beber, como um desejo intenso, vivenciando memória de quando faz o uso do álcool (fissura);

8) quando bebe, sente alívio do desprazer sentido por não usar (reinstalação da síndrome de dependência).

Além destes, pode se observar também: distúrbio do sono, depressão, humor instável, irritabilidade exagerada, alterações de memória e da percepção da realidade, alteração da pressão arterial, problemas gastrointestinais, disfunção sexual, entre outros. Não existe consumo de álcool isento de riscos.

É importante observar quantos destes critérios estão presentes e, quanto mais critérios, maior o grau de abuso e provável dependência.

A reversão deste quadro é possível, com o envolvimento da pessoa que está vivenciando esta situação e as pessoas presentes no contexto familiar. Procure fazer substituições de rotina nos horários que vinha bebendo, por outras atividades que não vinculem com o hábito e nem tragam gatilhos que possam remeter ao álcool; fale deste problema, se ainda não foi observado por outras pessoas, conte como vem de sentindo, as dificuldades em parar de beber e os motivos que o levam a isso; procure canais on-line de ajuda (existem linhas telefônicas de autoajuda e redes sociais que fazem acompanhamento). 

Outra questão observada foi que, em virtude do isolamento, muitos serviços de apoio estão fechados, o que dificulta para as pessoas que já tinham o uso problemático e estavam em acompanhamento, dar continuidade, retomando com isso o hábito de beber. 

Se nenhuma tentativa for eficaz, busque locais e profissionais que ofereçam tratamento para dependência química, habilitados. Faça uma avaliação e inicie um plano de recuperação. É importante ressaltar que se houver necessidade de tomar medicações que auxiliem a reduzir os sintomas e aliviar a necessidade de uso, devem ser prescritas por um médico, as demais abordagens, como Entrevista Motivacional, Intervenções Breves, Psicoeducação, Psicoterapia, Treino de Habilidades, são realizadas também por psicólogos e terapeutas ocupacionais.

Dentre as alternativas de mudanças de rotina e estilo de vida, a busca de atividades prazerosas, pode conter, jogos, leitura de livros (a disponível na internet, livros em pdf), sessões de cinema em casa (uso de canais,sites e app), cozinhar (além de ser uma excelente distração, para quem mora com outras pessoas, é uma forma de agregar a família e compartilhar o momento do preparo e não só do comer em si), uso de App para meditação (que não tem só como objetivo esvaziar a mente, mas de se reconectar  consigo, além de ajudar a manter o foco e atenção no momento presente), e buscar realizar, dentro do possível de cada um, atitudes de solidariedade (separar roupas, calçados e brinquedos que estão sem uso e doar),  doação de alimentos, ou até auxiliar um vizinho, respeitando as normas de proteção, 

Para quem está trabalhando em casa, é muito importante organizar a rotina para que as atividades do dia e as tarefas de casa tenham seu tempo separado, delimitando o que é o tempo do trabalho, do cuidado da casa e dos filhos e o lazer. Quando a rotina não está organizada, com horários pré estabelecidos para cada atividade, a sensação de desorganização e de tempo mal aproveitado ou ocioso é maior, trazendo uma sensação de desconforto e ansiedade, além da impressão de inutilidade frente ao tempo e as tarefas a serem executadas. Organize seu tempo e sua rotina.

A Pandemia vai passar, mas até lá, precisamos nos manter saudáveis, mesmo que em privação, para depois, podermos retomar novamente nossa rotina, com novas perspectivas, novas possibilidades frente ao tempo e a vida, mais conscientes de que mudanças são necessárias, e que todas as experiências, sejam boas ou ruins, são oportunidades para nos refazermos e nos tornarmos melhores.

Dica de Leitura:

https://www.uniad.org.br/wp-content/uploads/dlm_uploads/2020/04/PT_ALC_COVID_LONG_SHEET_11420OPAS.pdf

Referências Bibliográficas:

https://www.who.int/eportuguese/countries/bra/pt/

Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais [recurso eletrônico] : DSM-5 / [American Psychiatric Association ; tradução: Maria Inês Corrêa Nascimento ... [et al.] ; revisão técnica: Aristides Volpato Cordioli ... [et al.]. – 5. ed. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre: Artmed, 2014. 

Dependência Química: prevenção, tratamento e políticas públicas/ Alessandra Diehl… [et al.]. -  1 edição - Porto Alegre: Artmed, 2011.

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